De novo a chuva… o chão molhado espelha um céu sem cor, e a espera. Uma espera que se entranha nos ossos, um familiar peso no peito que se confunde com a paisagem. Esperamos pela primavera que tarda, pela semente que não rompe a terra dura, pelo vento que traga novos ares e leve para longe o pó e o mofo.
A esperança, essa flor teimosa, insiste em renascer no canteiro da rotina. Regamo-la com promessas e adiamentos, com a fé inabalável de que “desta vez” algo acontecerá, que a engrenagem empenada finalmente rodará, que o palco montado ganhará vida e a peça começará. Mas o solo parece árido, ou talvez o sol se esconda tempo demais, e a flor, essa, inclina-se, exausta, sem nunca desabrochar plenamente.
Há um sistema, por vezes, uma teia complexa de fios invisíveis, de interesses entrecruzados, de medos antigos e confortáveis imobilidades, que parece arquitetado para resistir ao sopro da mudança. Uma força de inércia, uma força que prende, que atrasa, que prefere o conhecido estagnado ao desconhecido movimento. E nós, na linha da frente da vontade, sentimos o peso dessa resistência, a frustração da energia que se dissipa contra um muro invisível mas presente.
Enquanto esperamos que “as condições sejam as certas”, que “Eu possa ser Eu” no reflexo de um mundo diferente, os dias fogem como areia fina entre os dedos. As semanas acumulam-se, os meses formam rios, os anos moldam paisagens em nós que não vimos mudar no exterior. Olhamos para o espelho e vemos não a mudança esperada no mundo, mas a nossa própria face, marcada pelo tempo que não esperou por nós.
É nessa constatação, nessa urgência silenciosa, que reside a amarga beleza da espera: a vida, enquanto isso, não suspende a marcha. A vida acontece no agora, no exato instante em que adiar o passo, em que prendemos a respiração à espera de um sinal que vem de fora. E não vem.
Talvez a chave não esteja em esperar que algo mude, mas em aceitar que a mudança somos nós, o movimento que decidimos iniciar, o passo que damos apesar da chuva, apesar do atraso, apesar da promessa quebrada. Que “tornar-me Eu”, “as condições sejam as certas”, não seja um destino a esperar, mas um caminho a trilhar, aqui e agora, mesmo com o chão molhado.
Porque a espera, essa âncora pesada, prende ao fundo, ao sítio estático, ao porto, enquanto o mar lá fora convida à viagem. E a maior tragédia não é a mudança que não vem, mas a vida que passa “enquanto”, em vez de acontecer “porque” decidimos parar de esperar.
Deixai a esperança pela verdade nas mãos da fé, na crença. Mas essa crença, tantas vezes, é a âncora que nos prende, enquanto a mudança, essa força indomável, continua. E a loucura molda o nosso destino, culpados que somos, na maioria das vezes, pela inércia que permitimos. Essa é a loucura.
A mente que pensa, essa, é posta de lado, enquanto o tolo ascende à realeza da conveniência, e… pasma-te nunca, jamais, te deixarão evoluir. Os teus lamentos ecoam silenciosos, escondidos aos teus olhos, o fantasma sem palavras da humanidade, a criticar sem voz.
Fomos feitos para sonhar, para vaguear pela terra, pois o que temos é tudo o que precisamos. Mas enquadrados dentro de um sistema, feito para louvar o manso, uma coleira para manter nossa vontade sob controle, que somos? Afogamo-nos na sombra das maravilhas que construímos, ou pelo menos assim pensamos, somos as cinzas e as sementes.
E talvez, no fundo, todos os nossos pensamentos, todos os argumentos que tecemos, todas as ações que nos movem, não sejam, afinal, por crença na mudança, ou por convicção de que é o melhor caminho. Talvez sejam apenas o eco surdo de uma dor que silencia, um bálsamo frágil para feridas que não ousamos encarar. Assim, seguimos, fingindo a vida, poupando-nos do confronto, da faísca que inicia o fogo. Mas é nesta dança macia de sombras que nos perdemos, na aceitação covarde, na passividade que nos amordaça. E o tempo passa, indiferente, enquanto nos agarramos à miragem de uma dor menor, sem perceber que, nesta fuga, a própria vida se esvai, como uma ferida aberta, deixando apenas o rasto de uma apatia silenciosa e estéril.
E nesta torrente de palavras, ecoa um apelo: quebrar as correntes da espera, da obediência cega, da fé paralisante. Levantar a voz, ousar sonhar, caminhar pela terra com a força de quem sabe que a mudança reside em si. Porque a glória do mundo, essa miragem fugaz, não se conquista na inércia, mas na coragem de quem decide ser a mudança, antes que o tempo, implacável, nos mostre o quanto deixamos de viver enquanto esperávamos. A vida não espera por mártires, mas por quem ousa viver.