Creche Feliz – a app infeliz e reveladora de uma realidade maior

Numa era de crescente digitalização dos serviços públicos, a aplicação móvel “Creche Feliz” foi concebida para ser a principal porta de entrada para o programa, prometendo simplificar e democratizar o acesso. No entanto, a análise da sua performance e da experiência dos utilizadores revela uma profunda desconexão entre a promessa digital e a realidade operacional.

Propósito vs. Realidade: A Promessa Digital

Lançada oficialmente em abril de 2023, a aplicação “Creche Feliz” foi anunciada pela Segurança Social como a ferramenta que permitiria às famílias encontrar vagas gratuitas e submeter os seus pedidos de forma simples e rápida. As suas funcionalidades centrais incluem a pesquisa de creches aderentes com vagas disponíveis, filtrada por geolocalização (área de residência ou de trabalho), e a submissão do pedido de gratuitidade através da inserção de um código único fornecido pela instituição escolhida.

Diagnóstico de Falhas e Críticas dos Utilizadores

A realidade da experiência do utilizador contrasta de forma gritante com a promessa de simplicidade. Nas principais lojas de aplicações, a “Creche Feliz” acumula avaliações extremamente negativas. Na App Store da Apple, por exemplo, a aplicação tem uma classificação média de apenas 1,4 em 5 estrelas, com base em mais de 100 avaliações.

As críticas são consistentes e demolidoras, apontando para falhas técnicas graves e persistentes. Utilizadores reportam que a aplicação “não funciona”, “está sempre em erro”, “não carrega” para além da página inicial ou apresenta “informação errada” sobre as vagas disponíveis.Um utilizador descreveu a situação como “cómica e revoltante”, ao ver-se impedido de solicitar a gratuitidade para o seu filho devido à inoperacionalidade da app. Outros relatam dificuldades com funcionalidades básicas, como a digitalização de códigos.

A informação sobre a manutenção da aplicação é contraditória. A página da Google Play Store indicava, na altura da pesquisa inicial, que a última atualização datava de 2014, o que, a ser verdade, significaria um abandono total da plataforma. No entanto, a App Store da Apple regista uma atualização mais recente, para a versão 1.6.0, em outubro de 2024, com o objetivo de introduzir “alterações no processo de pedido de gratuitidade”. Independentemente da data exata da última intervenção, o resultado prático é o mesmo: a performance da aplicação é consistentemente má e uma fonte de frustração para os cidadãos.

Governança Digital e Responsabilidade Institucional

A responsabilidade pelo desenvolvimento e gestão da aplicação recai sobre o Instituto de Informática, I.P., a entidade da Segurança Social encarregue de todos os seus sistemas de informação. A disfuncionalidade crónica da “Creche Feliz” não pode, por isso, ser vista como um mero problema técnico isolado. Representa, sim, uma falha de governança e um risco sistémico para a equidade do programa.

Ao centralizar o acesso a um direito social fundamental numa única ferramenta digital, o Estado assume a responsabilidade de garantir que essa ferramenta seja fiável, acessível e eficaz. Quando a ferramenta falha de forma tão espetacular, ela transforma-se numa barreira de acesso que penaliza desproporcionalmente os cidadãos com menor literacia digital, com equipamentos mais antigos ou com menos recursos para navegar canais alternativos, que são invariavelmente mais complexos e burocráticos.

Esta situação mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e transforma uma política desenhada para a inclusão numa fonte de exclusão e desigualdade, questionando a capacidade do Estado para implementar serviços públicos digitais que sirvam efetivamente todos os cidadãos.

App:
https://apps.apple.com/pt/app/creche-feliz/id1664935170
https://play.google.com/store/apps/details?id=pt.worldit.crechefeliz&hl=pt_PT
Documentos sobre o programa “Creche Feliz”:
https://www.seg-social.pt/noticias/-/asset_publisher/kBZtOMZgstp3/content/creche-feliz-rede-de-creches-gratuitas
https://www.seg-social.pt/rede-de-creches-gratuitas

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